BRAVO ZULU: NO EXTREMO DO MUNDO

  • Nenhum caminho na Antártica é fácil. Desde os primeiros exploradores até os dias de hoje, as atividades executadas são sempre conduzidas com muito profissionalismo e muito sacrifício, além de uma enorme coragem. Fotos: Arquivo pessoal/Diniz Júnior/Divulgação/Marinha do Brasil e Divulgação/Guga Volks

Por Diniz Júnior – Jornalista e escritor

Jamais esquecerei os 20 dias que passei a bordo do navio polar Almirante Maximiano da Fonseca, o Tio Max. Foi na Operantar 38 realizada o ano passado. Muitos imprevistos até embarcar no Tio Max que aguardava em Punta Arenas, no sul do Chile. A embarcação é responsável por cerca de 40% das pesquisas antárticas do Brasil.

A história do Tio Max começou em 1974, nos Estados Unidos. Ele foi construído para ser um navio de apoio para as plataformas de petróleo do Mar do Norte – o Suply Vessel. Em 1988, passou por uma grande reforma em que só a quilha original foi mantida. Virou então o navio pesqueiro Ocean Empress.

WhatsApp Image 2020-11-01 at 17.59.15Após ser adquirido pela Marinha, passou por outra reforma – desta vez, na Alemanha – e ganhou cinco laboratórios, acomodações para 119 pessoas (30 pesquisadores), hangar e convés de voo, para operação de helicópteros. Em 2001, aumentaram em 25 milímetros a espessura do casco o que deixou o navio mais resistente e seguro para viajar no mar antártico.

Em 2010, recebeu equipamentos para pesquisa, incluindo guinchos oceanográficos, ecobatímetros para medir grandes profundidades, doppler para perfilar correntes e termossalinógrafo, para medir temperatura e salinidade da água. O casco, pintado de vermelho, recebeu a inscrição H41 e o nome mudou de novo para homenagear o almirante de esquadra Maximiano Eduardo da Silva Fonseca (1919-1998), que, entre outros feitos, foi ministro, criou o corpo feminino da Marinha e comprou o Barão de Teffé, navio onde foi feita a primeira operação antártica. O retrato do almirante e sua espada estão hoje na Praça D'Armas, o espaço de refeições e convivência do navio.

O navio pode navegar por 42 dias sem parar! Tem a capacidade de gerar 20 toneladas/dia de água doce, o suficiente para a demanda ideal de 120 litros por homem/dia, de uma tripulação de 106 embarcados. A rotina a bordo é militar.

Incertezas

WhatsApp Image 2020-11-01 at 17.59.16Passagens compradas e depois canceladas. Até decolar de São Paulo num voo comercial eu ainda tinha uma série de dúvidas se de repente não mudaria tudo de novo e surgiria um novo pedido para aguardarmos mais alguns dias. Mas desta vez cheguei a Santiago para embarcar em outro voo com destino a Punta Arenas. É nesta simpática cidade que que saem os voos dos cargueiros da FAB, e os navios da Marinha do Brasil.

Estipular com certeza a data de decolagem ou a partida dos navios é impossível. Só se consegue voar para a Antártica, ou navegar até lá quando a janela meteorológica está aberta. Muitos desistiram. Na minha primeira viagem a bordo do Tio Max vencemos os 1,2 mil km de distância que separam a ponta da América do Sul da Ilha Rei George, onde ficam bases antárticas de vários países, inclusive as do Brasil e do Chile.

Nenhum caminho na Antártica é fácil. Desde os primeiros exploradores, que lá chegaram há cerca de 200 anos, até os dias de hoje, as atividades executadas são sempre conduzidas com muito profissionalismo e muito sacrifício, além de uma enorme coragem. Sim, a Antártica é para os fortes. Acreditem.

A fé a bordo do Tio Max

WhatsApp Image 2020-11-01 at 17.59.18 (1)Voltamos a rotina marinheira. O boletim Alvorada chega pelos alto-falantes exatamente às 07h. Começa com uma música e prossegue com uma sequência de informações úteis para quem está a bordo: localização do navio, se está navegando ou fundeado. Depois, relata as notícias principais do dia, avisa se tem algum aniversariante a bordo, dá resultados de jogos do dia anterior e repete uma das informações que dava medo e arrepios: que uma pessoa só consegue sobreviver 90 segundos se cair no mar gelado da região.

Às terças e quintas há cultos evangélicos e às quartas e domingos, missas católicas. A oração final começa com um pedido de "águas tranquilas" nos próximos dias. “Que Deus abençoe a proa do Tio Max”, finaliza o Capelão Sérgio Nascimento da Costa. De vez em quando, há alguma confraternização a bordo. Bebidas são controladas. Quem está de serviço não pode beber. A operação antártica é considerada a mais complexa da Marinha, porque o navio se afasta muito dos pontos logísticos. Aqui é proibido falhar. Qualquer erro pode ser fatal.

O terror dos primeiros exploradores

O percurso de cerca de mil quilômetros entre a Antártida e a Terra do Fogo, no extremo da América do Sul, é baseado em dados meteorológicos. De Punta Arenas, no Chile, até a Antártica passa-se no mínimo 36 horas em águas turbulentas: atravessar as águas mais revoltas do mundo, o canal do Drake, cujas ondas podem ultrapassar 12 metros, é um grande desafio.

WhatsApp Image 2020-11-01 at 17.59.16 (1)O canal é a passagem mais próxima entre o continente austral e a América do Sul. O então comandante, capitão de mar e guerra João Cândido Marques Dias, e a equipe do Tio Max avaliam o melhor momento de entrar no canal, na tentativa de não enfrentar ondas maiores que quatro metros.

O plano é sempre atravessá-lo entre uma frente fria e outra para tentar enfrentar o mar menos agitado possível. Nem sempre, porém, isso é possível. Somente com informações sobre ondas e ventos na tela do computador é que o comandante decide se vai enfrentar o Drake ou esperar mais algum tempo para a frente fria se afastar.

Antes da entrada no Drake, todos os objetos soltos do navio são peiados (amarrados na linguagem naval) para que não “voem” na hora em que o mar estiver “batendo” e o navio balançando. Écomum passar mal ou “marear” a bordo. A recomendação é que quem não está de serviço fique deitado na cama ou na refeição.

Um dos truques é não ficar de estômago vazio. O nome do Mar de Drake se deve ao britânico Francis Drake, que, ironicamente, preferiu não passar por aqui e desviou pelo Estreito de Magalhães, que costuma ter águas mais tranquilas.

Bravo Zulu

Última fronteira da Terra conquistada pela humanidade, a Antártica ainda esconde riquezas e mistérios. Um Brasil e meio. Mais precisamente 1,6 vezes o território brasileiro. Esse é o tamanho do continente antártico, com quase 14 milhões de km2. Viajei ao continente antártico acompanhado do fotógrafo Guga Volks e do cinegrafista Thiago Piccoli Cunha com a proposta de mostrar um lado que dificilmente aparece nas reportagens sobre a Antártica.

WhatsApp Image 2020-11-01 at 17.59.18 (2)As pessoas nem imaginam as dificuldades que enfrentam os pesquisadores e o pessoal da Marinha. A vida dos marinheiros, que passam meses a bordo dos navios antárticos; os mergulhadores que pulam na água gelada para empurrar os botes dos pesquisadores; os tripulantes e sua disposição ímpar. Militares e cientistas superam as dificuldades da rotina, do frio e do isolamento, e é todo esse esforço que garante a presença brasileira no continente fazendo as pesquisas. Esse será o foco principal do livro Bravo Zulu: No Extremo do Mundo e do vídeo que estão sendo produzidos.

Em uma tarde fria de novembro fomos surpreendidos. Chega a informação de que o nosso retorno em terra firme, na cidade de Punta Arenas, foi antecipado em três dias por causa das condições meteorológicas no Estreito de Drake. Nossa ideia era retornar à Estação Comandante Ferraz para fazer o perfil do Grupo Base, os 16 militares que estão enfrentando o inverno antártico isolados do mundo.

Estive na Estação Ferraz em 1986 e 1996 quando realizei reportagens para a RBS TV e 24 anos depois, retornei e senti de perto a vibração de pesquisadores e militares que realizam no continente as suas tarefas. A mesma vibração de quando cheguei na Antártica pela primeira vez em 1986.

Para muitos viajar até a Antártica é a realização de um sonho quase impossível. Afinal, o continente gelado é a região mais isolada do planeta e chegar nele não é uma tarefa nada fácil. Pretendo voltar, ainda não sei quando. Só tenho que agradecer a Deus por mais um retorno a Ferraz, agora remodelada.

A beleza do mar, o pôr do sol, a aventura, os amigos. Tudo valeu a pena. Voltamos para casa mais preocupados com o aquecimento global, que ano após ano está mudando a paisagem na Antártica, um cenário que nos fez perder o fôlego tantas vezes está ameaçado e o planeta também.

O destino de ambos está nas mãos de gaúchos, paulistas, cariocas, de tantos brasileiros, de pesquisadores do mundo todo que apostam suas vidas em uma solução. Que Deus abençoe a proa do Tio Max!