CAPITÃO AMÉRICA: ADMIRÁVEL MUNDO NOVO – UM FILME QUE TENTA EQUILIBRAR O PASSADO E O FUTURO

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As mudanças refletem um esforço da Marvel para ajustar o filme às expectativas do público, tendo em vista a má performance das produções mais recentes. Foto: Divulgação
Por Vinícius Bastos
Quando Aldous Huxley publicou Admirável Mundo Novo em 1932, ele pintou um futuro distópico onde a humanidade era controlada por meio de prazeres superficiais e uma falsa sensação de ordem. Quase um século depois, o título do mais recente filme do Universo Cinematográfico da Marvel parece prometer uma reflexão similar sobre o nosso presente e futuro. No entanto, Capitão América: Admirável Mundo Novo acaba sendo mais um exemplo de como a Marvel está tentando equilibrar a nostalgia de seus sucessos passados com a necessidade de inovar em um cenário cinematográfico cada vez mais saturado de filmes de super-herois.
A primeira coisa que chama a atenção é o rótulo, que claramente faz referência ao clássico de Huxley. Mas será que o filme consegue capturar a complexidade e a crítica social da obra literária? A resposta é... bem, não exatamente. O que temos aqui é uma narrativa que tenta abordar temas como aceitações de identidade, controle governamental e liberdade individual. No entanto, esses temas são tratados de forma superficial, como se o filme tivesse medo de mergulhar fundo demais nas ideias e não sobrar tempo para encher a tela de cenas de ação com explosões.
E falando em explosões, não podemos ignorar as turbulências por trás das câmeras. Admirável Mundo Novo passou por várias refilmagens, algo que se tornou quase uma tradição nos filmes da Marvel nos últimos anos. Dessa vez, elas supostamente ocorreram para aprimorar a narrativa e o tom, buscando um estilo mais realista e próximo de O Soldado Invernal. A trama foi reestruturada e novos elementos foram adicionados, incluindo um personagem inédito interpretado por Giancarlo Esposito.
As mudanças refletem um esforço da Marvel para ajustar o filme às expectativas do público, tendo em vista a má performance das produções mais recentes. O processo foi tão significativo que, segundo o ator Tim Blake Nelson, o longa foi praticamente refeito, evidenciando a tentativa de refinar sua abordagem política e dramática. O resultado é um filme que parece não saber bem o que quer ser: uma reflexão sobre o futuro político da humanidade ou mais um capítulo cheio de efeitos especiais que prepara o terreno para o futuro da franquia.
E é aí que entra a preocupação com os próximos filmes. A Marvel está claramente tentando se reinventar após o sucesso estrondoso de Vingadores: Ultimato. Com a saída de figuras icônicas como Tony Stark e Steve Rogers, o estúdio precisa encontrar novas âncoras para manter o interesse do público. Anthony Mackie traz carisma e uma presença forte como Sam Wilson, o novo Capitão América, mas é obrigado a deixar de lado a leveza que fazia seu Falcão tão cativante. Como resultado, ele nunca parece totalmente à vontade nesse novo papel, especialmente em um filme que se mantém cautelosamente apolítico.
Mackie ainda tenta buscar diversão nas suas cenas de diálogo supostamente descontraídas com o ator Danny Ramirez, seu parceiro e novo Falcão, mas os momentos acabam sendo desconfortáveis, jamais alcançando o nível de química que Mackie tem com o Bucky Barnes interpretado por Sebastian Stan, com quem dividiu a tela na série de streaming, O Falcão e o Soldado Invernal.
Falando no personagem, a trama desse filme gira em torno de uma conspiração envolvendo uma organização secreta que busca controlar o palco mundial através de agentes que, sem saber, são marionetes em um plano de assassinato. Soa familiar? Pois então, o filme tenta emular o sucesso de Capitão América: O Soldado Invernal, mas sem a mesma maestria narrativa.
Enquanto O Soldado Invernal era um thriller político com um pé no realismo, Admirável Mundo Novo oscila entre o drama e o espetáculo, sem conseguir se firmar em nenhum dos dois. As cenas de ação, embora bem coreografadas, não têm o mesmo impacto emocional e os vilões – apesar de interpretados por atores talentosos – são esquecíveis, mais caricaturas do que ameaças reais.
No entanto, nem tudo está perdido. O filme tem seus momentos de brilho, especialmente quando explora a história de Isaiah Bradley (Carl Lumbly), um personagem cuja presença traz uma camada de profundidade e reflexão sobre o legado do Capitão América. A representação de Bradley, um heroi esquecido e marginalizado pelo próprio governo que jurou proteger, adiciona um peso emocional e histórico que o filme poderia ter explorado ainda mais.
Suas cenas são carregadas de uma melancolia e uma resistência silenciosa que ressoam muito além dos momentos em que ele aparece na tela. Mas, novamente, esses elementos são subutilizados, como se o filme estivesse mais preocupado em preparar o terreno para o próximo Vingadores do que em contar uma história completa.
E é aí que chegamos ao cerne do problema: Capitão América: Admirável Mundo Novo parece mais um produto de uma linha de montagem do que uma obra cinematográfica com uma visão artística clara. A Marvel está claramente preocupada com o futuro de sua franquia, mas essa ansiedade se reflete na tela. Em vez de arriscar e explorar novos caminhos, o estúdio parece estar preso em um ciclo interminável de fórmulas testadas e aprovadas.
O resultado é um filme que, embora divertido em diversos momentos, não consegue deixar uma marca duradoura. No final das contas, Capitão América: Admirável Mundo Novo é um filme que tenta ser muitas coisas ao mesmo tempo, mas acaba não sendo nada de realmente memorável. Ele reflete a própria encruzilhada em que a Marvel se encontra: como seguir em frente em um mundo pós-Ultimato sem perder a essência que conquistou milhões de fãs ao redor do globo?
Talvez a resposta esteja em arriscar mais, em confiar nas visões únicas de seus diretores e em não ter medo de desafiar o público. Afinal, como Huxley nos ensinou, a segurança e a estabilidade eliminam o risco e a imprevisibilidade, nos deixando somente com uma falsa sensação de conforto.