BONG JOON-HO E O CINEMA QUE NOS CONSOME

  • O cineasta sul-coreano já era um mestre no jogo da crítica social camuflada de entretenimento muito antes de Parasita levar o Oscar de Melhor Filme, em 2020. Foto: Valerie Macon/Getty Images

Por Vinícius Bastos

Se tem um diretor que entende de humor ácido, tensão crescente e reviravoltas que te fazem se empertigar na poltrona, esse diretor é Bong Joon-ho. O cineasta sul-coreano já era um mestre no jogo da crítica social camuflada de entretenimento muito antes de Parasita levar o Oscar de Melhor Filme, em 2020.

Poucos diretores são capazes de transitar por diferentes gêneros como Bong Joon-ho. O cineasta é famoso não só por produzir filmes muito diferentes uns dos outros, como também por nunca deixar a diversão sobrepujar as temáticas que são constantes em suas histórias: diferenças de classes sociais, capitalismo e a incompetência das instituições de poder.

Agora, com Mickey 17 nos cinemas, o sul-coreano volta ao terreno da ficção científica, gênero que ele já provou dominar com maestria. Mas se você ainda não se aprofundou na filmografia desse gênio do caos narrativo e se não tem medo de transpor a barreira da legenda, aqui vão seis filmes essenciais para entender por que o “Diretor Bong” virou sinônimo de cinema imprevisível e brilhante:

Memórias de um Assassino (2003) – Depois de sua estreia na comédia “Cão que Ladra Não Morde”, o diretor fez sua primeira grande virada na carreira com “Memórias de Um Assassino”, um excelente exemplar do gênero thriller policial. Baseado no caso real do primeiro serial killer a assombrar a Coreia do Sul, o filme é tenso, sombrio e com um final que vai ficar martelando na sua cabeça. Se você é fã de filmes como Se7en, O Colecionador de Ossos, Zodíaco ou Os Suspeitos, não deve perder esse.

O Hospedeiro (2006) – De uma comédia, para um suspense policial e agora direto para um filme de monstro gigante! Mas isso só na superfície, pois por baixo de tudo é realmente um drama familiar, uma crítica ao descaso do governo e uma aventura eletrizante, tudo ao mesmo tempo. E, claro, tem um dos melhores bichos do cinema moderno.

Mas se O Hospedeiro fosse um filme de monstro qualquer, Bong Joon-ho não teria dirigido. Aqui, o ataque de uma criatura bizarra que emerge do Rio Han é só o começo da história. Quando o bicho sequestra a pequena Hyun-seo, sua família — um grupo de desajustados sem nenhum talento para o heroísmo — decide resgatá-la por conta própria, enquanto o governo tenta (e falha miseravelmente) em conter a situação.

Mother – A Busca Pela Verdade (2009) – Talvez seu filme mais subestimado, Madeo (título original) é um drama psicológico sufocante sobre uma mãe obcecada em provar a inocência do filho acusado de assassinato. Com uma atuação avassaladora de Kim Hye-ja e uma narrativa que desmonta qualquer certeza do espectador, essa é uma daquelas histórias que começam como um drama familiar e terminam em um abismo de horror moral. Bong Joon-ho te coloca diante do tipo de amor que não conhece limites — para o bem e para o mal.

Expresso do Amanhã (2013) – A primeira produção do diretor feita em língua inglesa é também uma das mais marcantes, por entrar de cabeça no gênero sci-fi distópico. Baseado na graphic novel francesa "Le Transperceneige", de Jean-Marc Rochette e Jacques Loeb, o filme se passa em um cenário pós-apocalíptico.

Após uma catástrofe climática, tudo o que restou da humanidade vem se abrigando por gerações dentro de um imenso trem que nunca para de correr. Lá dentro, um microcosmo da guerra de classes chega em um ponto de ebulição, fazendo com que os passageiros do fundo tentem lutar até a frente.

O conceito é tão instigante que foi até mesmo produzida uma série de TV ambientada no mesmo mundo, cujas três das quatro temporadas estão disponíveis na Netflix.

Okja (2017) – Nesse filme, o Diretor Bong te faz se apaixonar por uma criatura adorável, só para depois te lembrar que o mundo é um lugar cruel. A história acompanha Mija, uma garota que vive nas montanhas da Coreia do Sul e passou a vida inteira ao lado de Okja, um "superporco" geneticamente modificado que mais parece um cruzamento de hipopótamo com cachorro gigante.

Criadas juntas, são inseparáveis — até que a corporação que criou Okja decide levá-lo de volta para os Estados Unidos, onde um destino bem menos feliz o aguarda. Se você assistiu e comeu carne sem culpa no dia seguinte, parabéns pela frieza. Bong Joon-ho pegou a estrutura de um filme infantil e a transformou em um soco no estômago sobre corporativismo e crueldade animal.

Parasita (2019) – Finalmente, a lista não estaria completa sem a mais famosa de suas produções. Parasita foi um marco tão grande por ser um filme que desafia constantemente as expectativas do público. Misturando drama, humor e horror de um jeito que ninguém esperava e sem jamais perder o seu ritmo envolvente, o filme fez história.

A única dificuldade da recomendação é que quanto menos se sabe sobre a história, melhor fica a experiência de assisti-la. Basta dizer que o filme começa quase como uma comédia de golpes, com a família Kim — desempregada e vivendo em um porão apertado — encontrando um jeito esperto de trabalhar na casa da rica família Park.

Mas o que começa como um jogo de esperteza e ascensão social vai se transformando em uma história diferente ao decorrer do filme. Se você ainda não viu, pare de ler isso agora e corra atrás.

Mickey 17 (2025) - Bong mergulha mais uma vez no sci-fi distópico, mas se tem uma coisa que aprendemos com ele, é que nenhuma história é só aquilo que parece ser. Mickey é um grande perdedor que, para fugir das dívidas, decide escapar da Terra se voluntariando para uma missão de colonização espacial. Por não ter nenhuma habilidade especial, ele acaba com um inusitado emprego: um Descartável, alguém que trabalha nas piores condições possíveis e que tem uma versão nova de si mesmo impressa toda vez que morre.