EXTERMÍNIO: A EVOLUÇÃO É A REINVENÇÃO MAIS BRUTAL (E BELA) DO CINEMA DE ZUMBIS DESDE O ORIGINAL

  • A franquia “Extermínio” retorna a um mundo infectado — e ainda tem algo a dizer. Foto: Divulgação/Sony Pictures

Por Vinícius Bastos

Faz vinte e dois anos desde que Extermínio, dirigido por Danny Boyle, revitalizou o cinema de zumbis — e agora ele está de volta para fechar o ciclo. Ou talvez abrir um novo. Extermínio: A Evolução não é apenas uma continuação tardia: é uma tentativa corajosa de revisitar o gênero sob uma nova perspectiva.

Mais do que nostalgia, é um estudo sobre o que restaria da humanidade se ela fosse forçada a crescer num mundo em ruínas — e o que, inevitavelmente, renasceria disso. O filme original, lançado em 2002, foi um divisor de águas. Boyle filmou com uma das primeiras câmeras digitais profissionais disponíveis, o que deu ao longa uma textura crua, quase documental, que hoje parece datada — mas também poderosa.

Era o tipo de cinema de guerrilha que permitia cenas de ruas vazias em plena Londres, captadas com uma pequena equipe e muita ousadia. Além disso, foi o filme que mudou as regras: nada de mortos-vivos tropeçando em câmera lenta. Os infectados de Extermínio corriam. E com isso, todo o gênero se acelerou — influenciando desde Madrugada dos Mortos até Guerra Mundial Z, Eu Sou a Lenda, Zumbilândia e tantos outros.

Agora, Boyle retorna com um filme que, ao que tudo indica, prefere ignorar certos detalhes do segundo capítulo da franquia (dirigido por Juan Carlos Fresnadillo) para retomar as rédeas da mitologia criada por ele e Alex Garland, o roteirista original que também retorna aqui. É um reencontro de vozes criativas que, apesar das duas décadas de distância, ainda compartilham uma visão — sombria, crítica, mas estranhamente poética.

Na trama, somos apresentados a uma família que vive em uma pequena ilha isolada na costa da Inglaterra. Jamie (Aaron Taylor-Johnson), o pai, prepara o filho adolescente, Spike (Alfie Williams), para um rito de passagem brutal: atravessar o continente e "sangrar-se", matando alguns dos infectados errantes. Esse é o mundo que Spike conhece — um lugar onde a sociedade regrediu a códigos ancestrais de sobrevivência e masculinidade.

Mas esse terceiro filme não é apenas sobre o horror externo. Assim como o primeiro mostrava que o verdadeiro perigo era o ser humano em um mundo sem regras, Extermínio: A Evolução amplia a escala e reflete sobre como a civilização, diante do colapso, recorre aos seus instintos mais antigos.

A sacada mais inteligente do filme é traçar paralelos com o passado da própria Inglaterra: entrecortando imagens de batalhas medievais e áudios de guerras do século passado, o filme sugere que esse apocalipse não é uma ruptura — é uma repetição. Uma memória cultural.

Visualmente, o filme é arrebatador. Em certo momento, é possível perceber que algumas cenas foram filmadas com iPhones modernos — recriando, de forma estilizada, a textura digital crua do original. Funciona melhor do que parece. No entanto, nem todas as escolhas visuais são tão bem-sucedidas. Uma técnica recorrente usada nas cenas de ação — um efeito “bullet time” nos impactos de flechas — soa datada e acaba quebrando o clima de tensão, destoando do estilo visceral que o filme tenta sustentar.

Apesar disso, a obra se destaca como uma aventura emocionante e muitas vezes fascinante. Spike é um protagonista cativante, e sua jornada de amadurecimento é o coração do filme. Criado em isolamento, sob códigos rígidos de comportamento, cabe a ele decidir o que fazer com o mundo que herdou.

Sua missão não é apenas matar infectados — é descobrir por si só o valor da vida, da morte e das escolhas. Há algo profundamente simbólico na ideia de um jovem treinado para sobreviver, tentando entender o que significa viver.

Se há uma crítica possível, é o filme deixar claro demais seu desejo de se tornar uma nova franquia. Embora a história se encerre de forma satisfatória, é visível que Boyle e Garland estão ansiosos para explorar mais esse mundo — e sinalizam isso a todo momento. Não chega a comprometer, mas pode distrair quem esperava um desfecho mais fechado.

Ainda assim, é difícil não querer mais. O universo criado aqui é rico, sombrio e cheio de possibilidades. Assim como o original redefiniu o cinema de zumbis, Extermínio: A Evolução tenta novamente revigorar o gênero — não pela velocidade dos infectados, mas pela profundidade de sua metáfora. É sobre adolescência, sobre legado, e sobre o que acontece quando a civilização se esvai e nos deixa apenas com as histórias que contamos uns aos outros... e o que escolhemos fazer com elas.