BAILARINA – O MUNDO DE JOHN WICK AINDA TEM MUNIÇÃO NO TAMBOR

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Filme Bailarina está em cartaz na rede Cinesystem nesta semana. Foto: Divulgação/Paris Filmes
Por Vinícius Bastos
Pode respirar aliviado: Bailarina não é o melhor filme do universo John Wick — e nunca tentou ser. Mas ele funciona. E isso, num mundo repleto de cópias pálidas, já diz muito. Mesmo sem Keanu Reeves no centro da tela, a mágica ainda está viva: o mundo subterrâneo de assassinos com códigos próprios, moedas de ouro e hotéis sagrados continua sendo um dos lugares mais fascinantes do cinema de ação moderno.
Porém inicialmente é preciso ser dito que o filme leva alguns minutos para entrar no clima. Confesso que tinha me desacostumado com aquele diálogo cheio de floreios, o peso exagerado das palavras, os olhares significativos trocados à meia-luz. Os atores parecem travados nos primeiros minutos, como se estivessem tentando lembrar em que mundo estão. Mas aí entra Winston, interpretado por Ian McShane, e tudo volta ao lugar. Com uma única frase dita do jeito certo, ele reancora o filme naquele universo elegante e letal — e nos reencanta por tabela.
Bailarina é dirigido por Len Wiseman (Anjos da Noite), que entrega uma competente simulação do estilo de Chad Stahelski, o criador da franquia. O visual, os movimentos de câmera, os ambientes estilizados — tudo tenta seguir a cartilha Stahelski. Mas é perceptível que algo ficou um pouco fora do compasso. Notícias apontam que Chad teve que se envolver nas filmagens finais para ajustar o tom e ritmo, e o filme realmente sofre com algumas oscilações de fluidez narrativa. Ainda assim, no final, tudo se encaixa — talvez não com a precisão cirúrgica dos filmes anteriores, mas o bastante para manter o espetáculo de pé.
Dessa vez, acompanhamos Eve Macarro (Ana de Armas), uma assassina em formação que embarca em uma jornada de vingança após a morte brutal do pai. A diferença em relação a John Wick é clara: enquanto acompanhamos o retorno de um veterano ao seu mundo de origem nos filmes principais, aqui vemos a construção de uma assassina do zero — da infância ao banho de sangue.
Isso serve como expansão do universo e mitologia da franquia, o que é ótimo para fãs, mas também tira um pouco da leveza e economia narrativa que faziam os filmes anteriores correrem como um relógio suíço manchado de sangue. Explicar demais às vezes enfraquece.
E, ainda assim, Bailarina faz o que John Wick sempre fez melhor: unir estética, história e ação com precisão. Isso é algo que muitas cópias tentaram replicar nos últimos anos — e poucas conseguiram. O valor da franquia está nesse equilíbrio raro entre o mundo visualmente impactante e a qualidade das coreografias de luta. E Bailarina, nesse quesito, entrega. Ana de Armas está absolutamente convincente nas cenas de ação, com um estilo de luta adaptado ao seu corpo e à sua personagem — mais ágil, técnico, porém selvagem, quase felino.
Duas cenas, em particular, merecem seu lugar no panteão da franquia: a cena das granadas e a cena do lança-chamas. Se John Wick 4 tem “a luta da escada” e “as balas incendiárias”, Bailarina agora tem seus próprios marcos — momentos em que o cinema de ação se transforma em coreografia, pintura, caos e espetáculo. São cenas que arrancam aplausos e já garantem o replay no YouTube assim que o filme sair do cinema.
Ainda assim, nem tudo brilha. Ana de Armas, tão boa em equilibrar ação com humor — como mostrou na curta, mas memorável, participação como Paloma em 007 – Sem Tempo Para Morrer — aqui tem poucos momentos para mostrar sua veia cômica. Havia espaço para mais leveza, mais graça no absurdo das situações, ou até mesmo um humor físico, no melhor estilo Jackie Chan.
Também faz falta o brilho dos coadjuvantes. Gabriel Byrne, Norman Reedus e Catalina Sandino Moreno são nomes fortes, mas seus personagens não têm espaço para crescer, nem deixam aquela marca que tantos secundários da franquia conseguiram em aparições bem menores.
No fim, Bailarina não muda as regras do jogo. Não é revolução, mas também não é diluição. É continuidade. É uma expansão que respeita o DNA da franquia e entrega o que o público espera: estilo, violência coreografada, um universo coerente e um toque de elegância brutal. É o tipo de filme que nos lembra que John Wick não é só um personagem — é um mundo. E mesmo quando ele sai de cena, esse mundo continua dançando.