OS ROSES: ATÉ QUE A MORTE OS SEPARE
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Os Roses é menos uma comédia romântica tradicional e mais um estudo sobre o que acontece quando a química é tão explosiva que nem o amor consegue contê-la. Foto: Divulgação/Searchlight Pictures
Por Vinícius Bastos
A química é um mistério. Sua presença ou ausência pode salvar um relacionamento ou arruiná-lo de vez. O mesmo vale para o cinema: sem química, nem a melhor trama sobrevive; com ela, até o mais simples diálogo ganha eletricidade. Os Roses, nova versão da clássica história de Warren Adler, entende isso como poucos. É um filme que coloca o amor, o ressentimento e a cumplicidade sob o mesmo microscópio — e mostra que a centelha que une também pode ser a faísca que incendeia.
Na trama, acompanhamos Ivy (Olivia Colman) e Theo (Benedict Cumberbatch), um casal aparentemente perfeito — sucesso profissional, filhos maravilhosos, vida estável. Mas tudo desmorona quando Ivy vira estrela no universo da gastronomia e seu restaurante decola, enquanto a carreira de Theo despenca e ele assume o papel de pai em casa. O desequilíbrio de poder profissionais semeia ressentimento e competitividade letal. Essa não é uma história de redenção, mas sim de escalada.
Desde a primeira cena, Ivy e Theo já parecem condenados. A abertura, em uma sessão de terapia conjugal que termina com o terapeuta implorando para nunca mais vê-los, deixa claro que os dois são tão irremediáveis juntos quanto seriam separados. Mas basta alguns minutos para o público se ver enfeitiçado pela química absurda entre eles: seja se destruindo com crueldade cirúrgica ou se entregando a momentos de paixão ardente, Colman e Cumberbatch transformam cada troca em dinamite cômica e dramática.
O diretor Jay Roach, depois de quase uma década longe de projetos relevantes, retorna com energia renovada. Conhecido por seu timing de comédia (Austin Powers, Entrando Numa Fria) e mais recentemente pelo viés dramático (Trumbo, O Escândalo), ele encontra aqui um equilíbrio raro. Parte do mérito é do roteiro de Tony McNamara, mestre em diálogos ácidos (A Favorita, Pobres Criaturas), que dá aos protagonistas falas afiadas e ritmadas, recitadas com uma naturalidade desconcertante. A graça está no timing: eles disparam farpas cruéis como se fossem declarações de amor — e talvez, no fundo, ainda sejam.
Porém o texto não transforma seus personagens em caricaturas. Pelo contrário: ele trata Ivy e Theo com generosidade, explorando as diversas facetas da vida a dois — a rotina, os filhos, a vida profissional, as pequenas birras acumuladas ao longo dos anos. O amor ainda existe profundamente ali, alimentado por uma química inegável que os conecta, mesmo quando tudo ao redor desmorona. Não há inocentes aqui, mas também não há vilões. Só duas pessoas que se amam e se destroem, incapazes de sair do próprio caminho. O resultado é tão dolorosamente reconhecível que chega a ser engraçado.
Olivia Colman é o grande trunfo do filme. Brilhante em qualquer gênero, aqui ela encontra em Cumberbatch um parceiro à altura. Ele é meticuloso, cerebral, carregado de orgulho; ela, uma mistura de vulnerabilidade e ferocidade, sempre no ponto certo. Juntos, os dois elevam o material a algo muito maior do que uma comédia romântica ácida — transformam em espetáculo humano a arte de amar e ferir ao mesmo tempo.
O filme também acerta ao dar espaço para personagens coadjuvantes memoráveis: Kate McKinnon e Andy Samberg, como um casal de amigos americanos excêntricos, roubam cenas com performances que misturam o bizarro, o melancólico e o hilário. Mas é sempre ao redor de Ivy e Theo que tudo gravita, como se eles fossem planetas em órbita um do outro — condenados a colidir.
No fim, Os Roses é menos uma comédia romântica tradicional e mais um estudo sobre o que acontece quando a química é tão explosiva que nem o amor consegue contê-la. Um lembrete de que o mesmo ímã que atrai pode ser o que, um dia, vai despedaçar.






