FAÇA ELA VOLTAR: O TERROR ÍNTIMO DO LUTO QUE APRISIONA

  • A trama acompanha Andy e Piper, irmãos que, após a morte do pai, vão parar aos cuidados de Laura, uma mulher que vive isolada com uma criança, Oliver, em uma casa escondida na floresta. Foto: Divulgação/Causeway Films

Por Vinícius Bastos

Filmes de terror sempre foram, talvez mais do que qualquer outro gênero, uma experiência profundamente pessoal. Enquanto uma comédia pode arrancar risos generalizados e um drama pode comover multidões, o horror opera em um território íntimo, invadindo traumas, medos e cicatrizes individuais. Aquilo que para uns é um pesadelo insuportável, para outros pode parecer banal ou até risível. É nesse espaço instável — entre a dor coletiva e o terror singular — que Faça Ela Voltar se constrói.

Os irmãos Danny e Michael Philippou, que explodiram em 2022 com o aclamado Fale Comigo, retornam com um projeto ainda mais sombrio e pessoal. Se no primeiro filme eles lidavam com a relação entre juventude, solidão e espiritualidade, aqui o tema central é o luto como entidade devoradora. O resultado é um conto de fadas macabro, quase uma fábula dos Grimm atualizada, onde o sobrenatural se mistura ao mais humano dos sentimentos: a incapacidade de lidar com a perda.

A trama acompanha Andy (Billy Barratt) e Piper (Sora Wong), irmãos que, após a morte do pai, vão parar aos cuidados de Laura (Sally Hawkins), uma mulher que vive isolada com uma criança, Oliver (Jonah Wren Phillips), em uma casa escondida na floresta. O vínculo entre os irmãos é o coração emocional do filme, especialmente pelo contraste da cegueira de Piper com o olhar testemunhal de Andy. Ele tenta pintar uma versão menos cruel da realidade para proteger a irmã, mas esse esforço só ressalta a tragédia sufocante em que estão mergulhados.

É impossível falar de Faça Ela Voltar sem destacar Sally Hawkins, em uma das performances mais perturbadoras de sua carreira. Ela se move entre a ternura e a crueldade com uma simples mudança de fisionomia ou tom de voz. Sua personagem encarna um tipo de dor que se torna tirânica: aquele luto que exige centralidade, que transforma a própria perda em espetáculo pessoal, ignorando e esmagando a dor dos outros.

Esse retrato é tão aterrorizante quanto qualquer entidade sobrenatural, pois mostra como o sofrimento pode se tornar combustível para manipulação, abuso e destruição das relações ao redor. Nesse contexto, o jovem Jonah Wren Phillips impressiona ao dar vida a Oliver, cuja presença oscila entre a vulnerabilidade e o horror absoluto. Em vários momentos, ele é a materialização do próprio luto — daquilo que sobra quando uma dor não é ressignificada, mas cultivada como veneno. Sua transformação física evoca inevitavelmente

O Exorcista, e há cenas — como a da faca — que farão até os fãs de terror mais calejados desviarem o olhar.

Os Philippou sabem exatamente como usar os elementos tradicionais do gênero. A fotografia cinzenta, a chuva incessante e a lama que cerca a casa criam uma atmosfera quase claustrofóbica, onde até o ar parece pesar. O design de som é agressivo, propositalmente incômodo, martelando o espectador entre gritos, ruídos metálicos e silêncios sufocantes. É um filme que testa limites, e não apenas dos personagens — há momentos em que até os espectadores precisam decidir entre cobrir os olhos ou os ouvidos.

Se a estrutura lembra um conto de fadas distorcido, a execução é brutalmente realista. O filme nunca perde de vista que sua força está menos nos sustos e mais no impacto emocional. O sobrenatural serve de âncora para as atuações e para o retrato visceral do luto como força destrutiva, que aprisiona todos em um ciclo de dor. É uma narrativa que não oferece alívio: a tristeza e a angústia se acumulam até o último minuto, deixando o público exausto, mas também assombrado.

Talvez haja quem ache Faça Ela Voltar excessivamente trágico, quase sem espaço para catarse. Mas esse é justamente o ponto: assim como o luto, o filme não se satisfaz nunca, não fecha feridas, não oferece consolo. Ele apenas mostra o vazio que sobra quando a perda é transformada em prisão. O resultado é um horror pessoal, íntimo, que só poderia funcionar justamente por ser tão radicalmente humano.